CHLOE - UMA LEITURA PSICANÁLITICA
Por: Camila da Silva / Psicóloga, Blumenau
Um dia, recebi um e-mail de uma leitora de Blumenau, Dra Silva.
Na mensagem ela dizia que tinha gostado tanto do livro e da complexidade da personalidade da personagem principal que queria escrever uma análise freudiana sobre ela, mesmo antes de terminar o livro. Obviamente fiquei muito lisonjeado e lhe pedi permissão para colocar sua análise aqui no site. Note que além desta análise, ela fez uma do livro, está em Depoimentos; e também incluiu um comentário na Amazon. |
A leitura da obra Chloe de A. K. Covillon foi fascinante sob vários aspectos. Um deles foi que o livro me compeliu a analisar a personagem principal, Chloe, sob a luz da psicanálise.
Para começar, é sempre importante destacar que, na psicanálise, o analista sempre trabalha a partir do desejo da pessoa que ele atende. E, de maneira geral, isso é levado para vida também. Aqui temos a libido fundamental e primordial para a nossa vida cotidiana, sem nos darmos conta muitas de nossas decisões no fundo podem ser influenciadas pela libido.
Em Chloe, percebo as atitudes dela relacionadas diretamente com sua estrutura psíquica. Arrisco-me a afirmar que há traços evidentes de neurose, mas, além disso, às vezes aparecem traços de obsessão. Parece-me que quando ela está a um passo de fazer tudo fluir, recua, para dentro da sua própria repetição.
Vale ressaltar que "Repetição", na psicanálise, trata-se da atitude de reeditar situações já vividas, trazendo-as para os dias atuais. É como se uma situação traumática fosse se repetindo ao longo da vida, até que esta cadeia se "quebre", com a "superação" do sintoma, ou seja, do episódio traumático.
Isso é mais comum do que acreditamos. A Repetição aparece de diversas maneiras, em diversos contextos de nossas vidas. Basta pararmos para analisar as situações, tomadas de decisão e tudo que fazemos ao longo de nossas vidas.
Em Chloe, é notável quantas vezes ela esteve diante de, finalmente, atravessar a Repetição, vencendo barreiras, por exemplo, finalizar seu casamento e para assumir seu próprio desejo, sem necessariamente atender a demanda do outro (o que o outro julga como certo, ou ainda, o que o outro a faz "sentir-se obrigada" a tomar tal attitude).
Ela estava a um passo de dizer “sim” ao seu desejo inconsciente, em duas dimensões distintas:
Nos dois momentos ela atribui ao outro, sua decisão, e nunca ao que verdadeiramente queria. Embora enalteça a sua necessidade de independência, parece que a trama de sua vida sempre se prende no terceiro (pessoas ao seu redor que a compeliam a fazer algo).
É curiosa a forma como o livro trata isso. Chloe renuncia a si mesma em diversos contextos. Tanto diante do casamento (o fato de o marido a ter ameaçado e "mandou", deu a ela o alicerce para aceitar a situação), quanto no caso com Leo (no qual ela também arranjou argumentos para se esquivar e culpar a ele). Em outras palavras, ela não conseguiu arcar com as responsabilidades de suas decisões. Assim, ficou muito mais fácil resignar-se à demanda do Daniel.
Afinal é difícil e complicado, da noite para o dia, aceitarmos nossos próprios desejos inconscientes. Eles estão relacionados com muitos pontos de nossa personalidade e constituição psíquica que quando vêm à tona podem trazer sérias angústias.
Por isso Chloe, de alguma forma, chega "quase lá" e fica no "quase", renuncia. Porém, quando, em análise, é possível "furar" essa Repetição, o sujeito passa a ter novas perspectivas, olhares e aceita com mais clareza os próprios desejos (o que não significa que ela ficaria com Leo, mas sim, que entenderia suas próprias responsabilidades com mais precisão).
Aqui ela poderia até refletir: "beleza, não era exatamente o que eu queria, mas é o que temos pra hoje", no entanto, ela prefere culpar outra pessoa, de novo.
Acho interessante que alguns traços de Chloe podem demonstrar o que chamamos de "passagem ao ato", que é quando se sai do campo do discurso abstrato para uma atitude mais concreta, que poderia moldar o futuro da pessoa. No caso dela, ao descobrir a traição de Daniel, automaticamente contou sobre Leo. Tenho a impressão que, ao falar para ele, ela saberia (de modo inconsciente!) o que aconteceria em seguida. Ou seja, novamente tiraria de si a responsabilidade pelo término do casamento (que agora teria a traição como motivo), para prender-se em Daniel, através da verdade que lhe fora revelada. De um modo ou de outro, surgiam empecilhos que ela mesma poderia plantar no decorrer de sua história, para prender-se ao casamento que ela tanto desejava "sair".
Por que ela revelou sua paixão pelo Leo naquele momento? Seria um ato falho? Talvez! Acho que a atitude fica entre a gangorra da passagem ao ato e do ato falho.
Vale ressaltar que o fenômeno da Repetição, as reedições que vamos vivendo, está presente na vida de todos. Nossos relacionamentos denunciam Repetições. Nossos gostos, trabalho, tudo. O livro Chloe retrata com precisão o quanto repetimos atitudes em nossas vidas mesmo que sejam funestas e prejudiciais. Isso fica especialmente claro quando, no último capítulo, ela reflete sobre seu passado e devaneia sobre a possibilidade de viver futuramente uma aventura semelhante.
Com essas pinceladas termino esta análise superficial da personagem principal do livro. O que escrevi não termina de forma alguma a análise de uma hipótese diagnóstica de estrutura neurótica do personagem Chloe.
A obra Chloe definitivamente não é um simples romance erótico. Além de ser uma leitura agradável o livro me levou a pensar e refletir em várias dimensões.
De fato foi uma leitura fascinante.
Para começar, é sempre importante destacar que, na psicanálise, o analista sempre trabalha a partir do desejo da pessoa que ele atende. E, de maneira geral, isso é levado para vida também. Aqui temos a libido fundamental e primordial para a nossa vida cotidiana, sem nos darmos conta muitas de nossas decisões no fundo podem ser influenciadas pela libido.
Em Chloe, percebo as atitudes dela relacionadas diretamente com sua estrutura psíquica. Arrisco-me a afirmar que há traços evidentes de neurose, mas, além disso, às vezes aparecem traços de obsessão. Parece-me que quando ela está a um passo de fazer tudo fluir, recua, para dentro da sua própria repetição.
Vale ressaltar que "Repetição", na psicanálise, trata-se da atitude de reeditar situações já vividas, trazendo-as para os dias atuais. É como se uma situação traumática fosse se repetindo ao longo da vida, até que esta cadeia se "quebre", com a "superação" do sintoma, ou seja, do episódio traumático.
Isso é mais comum do que acreditamos. A Repetição aparece de diversas maneiras, em diversos contextos de nossas vidas. Basta pararmos para analisar as situações, tomadas de decisão e tudo que fazemos ao longo de nossas vidas.
Em Chloe, é notável quantas vezes ela esteve diante de, finalmente, atravessar a Repetição, vencendo barreiras, por exemplo, finalizar seu casamento e para assumir seu próprio desejo, sem necessariamente atender a demanda do outro (o que o outro julga como certo, ou ainda, o que o outro a faz "sentir-se obrigada" a tomar tal attitude).
Ela estava a um passo de dizer “sim” ao seu desejo inconsciente, em duas dimensões distintas:
- Terminar o casamento;
- Depois, restaurar o casamento.
Nos dois momentos ela atribui ao outro, sua decisão, e nunca ao que verdadeiramente queria. Embora enalteça a sua necessidade de independência, parece que a trama de sua vida sempre se prende no terceiro (pessoas ao seu redor que a compeliam a fazer algo).
É curiosa a forma como o livro trata isso. Chloe renuncia a si mesma em diversos contextos. Tanto diante do casamento (o fato de o marido a ter ameaçado e "mandou", deu a ela o alicerce para aceitar a situação), quanto no caso com Leo (no qual ela também arranjou argumentos para se esquivar e culpar a ele). Em outras palavras, ela não conseguiu arcar com as responsabilidades de suas decisões. Assim, ficou muito mais fácil resignar-se à demanda do Daniel.
Afinal é difícil e complicado, da noite para o dia, aceitarmos nossos próprios desejos inconscientes. Eles estão relacionados com muitos pontos de nossa personalidade e constituição psíquica que quando vêm à tona podem trazer sérias angústias.
Por isso Chloe, de alguma forma, chega "quase lá" e fica no "quase", renuncia. Porém, quando, em análise, é possível "furar" essa Repetição, o sujeito passa a ter novas perspectivas, olhares e aceita com mais clareza os próprios desejos (o que não significa que ela ficaria com Leo, mas sim, que entenderia suas próprias responsabilidades com mais precisão).
Aqui ela poderia até refletir: "beleza, não era exatamente o que eu queria, mas é o que temos pra hoje", no entanto, ela prefere culpar outra pessoa, de novo.
Acho interessante que alguns traços de Chloe podem demonstrar o que chamamos de "passagem ao ato", que é quando se sai do campo do discurso abstrato para uma atitude mais concreta, que poderia moldar o futuro da pessoa. No caso dela, ao descobrir a traição de Daniel, automaticamente contou sobre Leo. Tenho a impressão que, ao falar para ele, ela saberia (de modo inconsciente!) o que aconteceria em seguida. Ou seja, novamente tiraria de si a responsabilidade pelo término do casamento (que agora teria a traição como motivo), para prender-se em Daniel, através da verdade que lhe fora revelada. De um modo ou de outro, surgiam empecilhos que ela mesma poderia plantar no decorrer de sua história, para prender-se ao casamento que ela tanto desejava "sair".
Por que ela revelou sua paixão pelo Leo naquele momento? Seria um ato falho? Talvez! Acho que a atitude fica entre a gangorra da passagem ao ato e do ato falho.
Vale ressaltar que o fenômeno da Repetição, as reedições que vamos vivendo, está presente na vida de todos. Nossos relacionamentos denunciam Repetições. Nossos gostos, trabalho, tudo. O livro Chloe retrata com precisão o quanto repetimos atitudes em nossas vidas mesmo que sejam funestas e prejudiciais. Isso fica especialmente claro quando, no último capítulo, ela reflete sobre seu passado e devaneia sobre a possibilidade de viver futuramente uma aventura semelhante.
Com essas pinceladas termino esta análise superficial da personagem principal do livro. O que escrevi não termina de forma alguma a análise de uma hipótese diagnóstica de estrutura neurótica do personagem Chloe.
A obra Chloe definitivamente não é um simples romance erótico. Além de ser uma leitura agradável o livro me levou a pensar e refletir em várias dimensões.
De fato foi uma leitura fascinante.